sábado, 13 de abril de 2013

Nos braços de um amor furioso...

Não sei como foi com vocês, mas enquanto uma pessoa que cresceu na igreja, comecei a ler a Bíblia desde cedo. E me lembro de que quando terminei o pentateuco (cinco primeiros livros da Bíblia) senti um certo pesar com a morte de Moisés. Era um relato de algo que eu já sabia que tinha acontecido, mas, de certa forma, me apeguei à caminhada dEle e senti falta quando ela foi encerrada.

Neste dia a sensação é meio parecida, ainda que tenha se passado mais de 18 anos. Fiquei sabendo logo cedo de que ontem, 12 de abril de 2013, um escritor querido, que muito abençoou minha vida com sua experiência e inspiração ao escrever, também se foi, para os braços de seu Aba. Brennan Manning, nascido em Nova Iorque no dia 27 de abril de 1934 encerrou sua jornada nesta terra. Autor de livros contundentes e desafiadores como "O Evangelho Maltrapilho", "Falsos, Metidos e Impostores", "O Obstinado Amor de Deus", "O Anseio Furioso de Deus", entre muitos outros, Brennan nunca pretendeu parecer melhor, ainda que tenha sido incrivelmente melhor do que a maioria de nós.

"Meu nome é Brennan. Sou alcoólatra.
Como cheguei a esse estado, por que o deixei, por que voltei são a história de minha vida.
Mas não é a história toda.

Meu nome é Brennan. Sou católico.
Como cheguei a ser, por que deixei de ser, por que voltei a ser são também a história de minha vida.
Mas não é a história toda.

Meu nome é Brennan. Fui padre, mas não sou mais padre.
Fui casado, mas não sou mais casado.
Como cheguei a essas situações, por que as deixei são também a história de minha vida.
Mas não é a história toda.

Meu nome é Brennan. Sou pecador, salvo pela graça.
Essa é a grande história, a mais importante.
Somente Deus, em sua fúria, a conhece plenamente".
[introdução de O anseio furioso de Deus]

Para marcar o momento em que um amigo à distância, de forma indireta, mas membro do mesmo Corpo, encerra a carreira, nada melhor do que o trecho de seu último livro que li. Ele se foi, mas ainda restam muitos livros para ler e reler... O sentido de "obra" de um autor, fica ainda mais claro quando pensamos nos escritos de Manning.

amor inimaginável

Talvez a questão mais fundamental não é quanta teologia estudamos ou quantas passagens bíblicas memorizamos. Tudo o que realmente importa é isto: Você experimentou o anseio furioso de Deus ou não?

Essa mesma pergunta levou o brilhante Karl Rahner a profetizar:

Nos dias que se seguem, ou você será um místico
(alguém que experimentou Deus para valer),
ou simplesmente nada.

Em tempos de perseguição, desmorona o cristianismo teórico.


-x-

A contemplação do anseio furioso de Deus é elevada a um nível extraordinário naqueles momentos raros e inesquecíveis em que nossa fé, esperança e amor são alçados a um nível nunca antes experimentado por meio da intervenção ativa do Espírito Santo, muito à semelhança de uma viagem num barco quando acomete a tempestade. Somos mergulhados em mistério, ou naquilo que Heschel chamou o espanto radical. Desaparecem a vergonha e a percepção exagerada de nós mesmos. Estamos na presença do Mistério inefável acima de todas as criaturas e além de qualquer descrição.

Esses são momentos de verdade. Você está na presença única do Único. Os ternos sentimentos de Deus por você não são mais um conhecimento estéril. Você experimenta uma certeza do anelo de Deus por intimidade diferente de qualquer coisa que você tenha sentido nos cultos com palmas ou nos estudos ungido das Escrituras. Muitos de nós receberam conhecimento sem valorização, fatos sem entusiasmo. Mas, uma vez encerradas as investigações acadêmicas, percebemos de repente a insignificância de tudo aquilo. Simplesmente de nada importava.

Quando a noite é difícil, e meus nervos estão dilacerados, e as ondas quebram sobre os lados da embarcação, fala a Infinitude. O Deus todo-poderoso compartilha por meio de seu Filho a profundidade de seus sentimentos por mim, seu amor cintila em minha alma e sou tomado pelo mistério. São momentos de kairos - a invasão resoluta da fúria de Deus em minha própria história de vida.

É quando enfrenta uma decisão de grande importância. Tiritando nos andrajos de meus 74 anos, tenho duas escolhas. Posso escapar furtivamente para o ceticismo e para o intelectualismo, agarrando-me a minha preciosa vida. Ou, com um espanto radical, posso permanecer no convés e corajosamente me pôr de pé numa fé rendida à verdade de que sou amado, absorvido pela fúria arrojada e intensa a que chamam amor de Deus. E aprender a orar.
[capítulo que encerra O anseio furioso de Deus]

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